Esquerdismo, doença infantil da negritude brasis

FERNANDO CONCEIÇÃO
15/03/2015 às 13:12
SEI QUE O título deste post não é original. É uma adaptação do título de um opúsculo do senhor Vladimir Illitch Ulianov, conhecido por Lenin, primeiro mandatário da Rússia na revolução bolchevique (1917).

   Os argumentos do texto serviram para depois, sob ordens de Josef Stalin, sucessor de Lenin, um agente da KGB (draconiana polícia secreta da matriz do comunismo) assassinar com uma picaretada na cabeça o outro líder da revolução, Leon Trotsky. Em 2004, quando no México, visitei a casa que foi a última morada de Trotsky – arranjada por Diego Rivera e Frida Kahlo. Hoje, um museu.

   É dever intelectual contestar mistificações. Como a de que a pauta do movimento negro no Brasil é uma causa da “esquerda”. Ideologicamente, nunca foi. Como jamais foi da “direita”, ou do “centro”.

   A causa negra no Brasil, se há uma “causa”, foi sempre do próprio negro. Podem até classificar esse fato de essencialista. Mas isto é uma realidade que tem por base a história do país. Não o discurso político-partidário, que por definição não prima pela verdade, como ensina Maquiavel.
O esquerdismo da liderança do Movimento Negro brasileiro é esquizofrênico, uma vez que o círculo de comando da esquerda prescinde de sua devoção. É irracional e utilitário para os ideólogos. Em uma palavra, parafraseando Lenin – com quem não sento na mesma mesa para um café (sou mais Trotsky) -, infantil.

   Denegriram Marina Silva. Com certeza não farão o mesmo com Marta Suplicy agora, porque esta é branca.

   Ativistas negros bocós, orientados partidariamente, não perdem a chance de denegrir (uso propositadamente o termo racista) quem não obedece àquele comando. Fizeram isto há pouco com Marina Silva. Com Joaquim Barbosa.

   Falo por experiência própria, enfrentando isso até aqui em Portugal. Onde aprendi – veja só! – sempre fui contra ações afirmativas, já que crítico do governo de plantão. Ainda bem que Nosso Senhor Jesus Google vem ao meu socorro.

    Recentemente se tem propagandeado que a luta por cotas, reparações e ações afirmativas é protagonizada por essa esquerda. E que somos contra essas e outras conquistas sociais todos os que criticam os desmandos do atual conglomerado que controla a máquina do Estado brasileiro.

   Os fatos, amplamente documentados pela cobertura da imprensa e por registros outros, desmentem essa falácia. Esse conglomerado hoje no poder, até mais que o anterior, foi o mais refratário, o que mais resistiu à luta por cotas, ações afirmativas e reparações no Brasil.

   Mudou de tática e de discurso a partir do momento, depois de 2003, que tais conquistas se constituíram como irreversíveis. Atos pontuais e sucessivos de reitores e conselhos universitários, como a da UNEB em 2002 (governo carlista) e UERJ (governo Anthony Garotinho), bem como decisões do poder judiciário (STF em 2010), se somaram e instituíram um novo momento na universidade. Por pressão de fora para dentro, como a Campanha Afirme-se! [clique pra ler]

   A propaganda quer agora que essas conquistas, frutos da luta social, sejam tidas como um favor que ela, a esquerda, nos fez. A nós, os coitadinhos sem eira nem beira, dependentes de tudo dela, até na liberdade de pensar. Vistos por ela, como pela “direita”, como incapazes de iniciativa própria.

   A ESQUERDA, AÍ INCLUÍDA A UNE (União Brasileira dos Estudantes) e os grupos do Movimento Negro submetidos a partidos políticos desse espectro ideológico, antes nunca foram a favor de cotas ou reivindicações similares. Nunca abriram espaços para o negro (Milton Santos, o geógrafo, que o diga, quando quis dirigir a UNE).

   O que queriam era a “revolução” para a implantação do “socialismo”. Mesmo com a falência do modelo do império soviético já nos anos 1960. Com o anacronismo de tal ideia, comprovado pelas dolorosas experiências europeias, asiáticas, africanas, em Cuba, Nicarágua ou El Salvador.

   A esquerda somente aderiu à essa causa negra, como bloco, ao se dar conta do que isso significa em termos de sedução. É um oportunismo, que faz parte do cálculo eleitoral com que revê sua estratégia. Mas é uma mentira deslavada, que deve ser exposta.

    No dia em que se der conta de que o combate ao genocídio da juventude negra pode lhe render dividendos, também dirá que foi responsável por essa luta, hoje feita no Brasil solitariamente. Por enquanto, a esquerda é cúmplice. Emudece.

   Se aqui ou ali um dos seus membos age, é timidamente. Porque não pode se eximir do seguinte fato: como dona do poder central e mesmo em alguns Estados, essa esquerda tem responsabilidades na mortandade endêmica no país.

UM RETROSPECTO

Não se pode afirmar que  a esquerda é ou sempre foi defensora de causas progressistas. No Brasil, institucionalmente surgiu nos finais do século 19, com os imigrantes europeus importados para substituir os negros nos postos de trabalho vagos. Principalmente anarquistas, responsáveis pela organização dos primeiros sindicatos no eixo São Paulo-Rio de Janeiro.

  O senso comum acredita, também, que nos Estados Unidos da América é o Partido Democrata, do presidente Obama, e não o Partido Republicano, de Colin Powell e Condoleezza Rice, o partido da causa negra. Nada mais falso.

   Como demonstrado pelo casal Thernstrom em sua magistral obra de 1999, o Partido Democrata surgiu pelas mãos confederadas do sul escravista, sua principal base eleitoral. Foi um presidente do Partido Republicano, Abraham Lincoln, que jogou aquele pais numa sangrenta guerra civil contra a escravidão. Essa agenda mudou com a crise de 1929, quando Roosevelt sequestrou a agenda do partido adversário.

  No Brasil sempre houve um antagonismo basilar entre os interesses dessa esquerda organizada institucionalmente, em guildas, sindicatos, corporações, e os interesses daqueles expulsos do mercado de trabalho formal.

   Esses, maioria iletrada, jamais tiveram condições de ler os, muitas vezes, toscamente traduzidos textos dos evangelhos esquerdistas. No máximo, orelhas de livros e cartilhas tatibitati.

   Mesmo agora em 2015, o lugar do negro no mercado é o instável. O da informalidade. O do sub-emprego. É o exército de reserva de mão-de-obra. O emprego público é quase o único setor no qual pode vislumbrar alguma possibilidade de romper com o círculo vicioso da ansiedade empregatícia. É também aí que a competição com os herdeiros beneficiários do antigo sistema pode ser acirrada.
O negro foi escravo até 1888. Deixou de sê-lo não porque as forças ativas da política institucional tenham adquirido uma consciência social liberalizante. São os interesses capitalistas – de acordo com os quais e segundo Marx e Engels, “tudo o que é sólido se desmancha no ar” – que corrompem o sistema escravista.

   Na estrutura dos meios de produção escravista, o escravo não é pessoa, é sim mercadoria. Portanto, nã o goza o estatuto de operário ou de trabalhador, na definição clássica dessas categorias. Jamais se constitui enquanto classe social, como ensina Max Weber.

   Partidos e outras estruturas esquerdistas usaram, como parece ainda hoje querer, negros como massa de manobra, do mesmo modo que o centro e a direita. No combate à recente ditadura militar, sobressai-se algum líder ou combatente que tais estruturas louvam por negro ou negra? Ainda que o tenham feito, até na guerrilha do Araguaia?

   Conhece alguma família ou sujeito negro que se beneficiou da Lei que tem beneficiado, desde Fernando Henrique Cardoso, com gordas indenizações e pensões,  os que foram perseguidos e mortos durante esse período? Carlos Mariguela não vale, porque não é conhecido por sua condição étnica.

MAURO CETRONE, leitor deste blog, fez filosofia na USP e, nessa condição, foi um dos pioneiros da luta por cotas em 1995-96. Pagou o preço de ser ameaçado pela Reitoria de responder processo administrativo de expulsão por isso. Comentou o post anterior aqui, afirmando que no Brasil “o negro não deu certo”.

Compara com os Estados Unidos onde, sendo uma minoria demográfica, obviamente eleitoral, têm um presidente. Um presidente e muito, muito mais. Uma classe média e uma aristocracia que possuem dinheiro e poder.

Colin Powell, poderoso Secretário de Estado Republicano de Bush, apoiou a eleição de Barack Obama sem titubear em 2008
Colin Powell, poderoso Secretário de Estado Republicano de Bush, apoiou a eleição de Barack Obama (Democrata) sem titubear em 2008

É que lá os negros aprenderam, diferente dos daqui, que a causa negra nas sociedades erigidas pelo escravismo no chamado “novo mundo”, não é nem pode ser reduzida a uma questão de partido político. Instituição “burguesa” – diriam os ultraortodoxos -, que eles, os negros, não dominam.

* * *
SOBRE O ATO “FORA DILMA!” marcado para este domingo, 15/03, vale a pena transcrever a carta de Paulo Marcos Gomes Lustoza, que se identifica como capitão de mar e guerra reformado do Rio de Janeiro,  publicada na edição de hoje da Folha de S. Paulo:

“Pepe Vargas, ministro das Relações Institucionais, sente cheiro de golpe nas manifestações (“Ministro diz sentir ‘cheiro de golpe'”, “Poder”, 13/3), e a presidente Dilma diz que os “jornalistas investigativos” deveriam descobrir quem são os adversários que acirram os protestos (“Presidente afirma olhar para protestos com ‘tranquilidade’, “Poder”, 13/3). Que tal a presidente colocar o Gabinete de Segurança Institucional para descobrir quem são os golpistas e denunciá-los, com provas, à Justiça?”

Touché!