Uma candidatura negra para a Cidade da Bahia

Sérgio São Bernardo
25/01/2015 às 16:00
  Em 1978, o tributarista Edvaldo Brito tornou-se o primeiro prefeito Negro de Salvador. Esta experiência gloriosa e fatídica nos orgulhou e nos deu um primeiro aprendizado. Não podemos confiar na ideologia que simplifica o racismo e muito menos naquele olhar que simplifica o sistema político. 

   Rômulo Almeida nos provocou com a misteriosa trajetória da economia baiana dando-lhe uma face inquieta com índices inexplicáveis para o alcance do desenvolvimento do Estado. Nascia assim, “o enigma baiano”. Seguimos este estigma e nos confrontamos hoje com a indignação do cineasta Spike Lee que nos indagou porque que a Bahia não elege uma candidatura negra? 

   Primeiro, é bom afirmar que parte desse enigma se explica pela invisibilidade da desigualdade baiana. Ora, nossa história está permeada de disputas políticas entranhada de disputas étnicas-raciais-religiosas e isso não pode ser ocultada sob pena de não conseguirmos interpretar a Bahia para agirmos sobre suas históricas desigualdades. 

   Desde a “fundação” da Bahia, Tupiniquins e Tupinambás - tanto os Paraguassus da ilha de Itaparica, quanto os Kirimurês do continente - e os cristãos de influência portuguesa e espanhola já negociavam interesses fundados em critérios de superioridade de raça, etnia e religião. 

   Logo depois, continuamos com os luteranos franceses e um pouco depois com os calvinistas holandeses. Perdurou-se com o crescimento e perseguição com os cristãos novos e se cristalizou entre as diversas revoluções negras e indígenas que temos conhecimento, muitas das quais com fortes componentes emancipatórios e libertários. 

   O Estado mercantil ibérico forjou-se nas ordenações e nas disposições colonizatórias em consolidar um mundo salvacionista para os “sem alma”, os “sem lei” e os “sem poder”. 

   Esta é uma herança adoentada em nosso sangue híbrido. Plasmamos uma histórica luta de classes combinada com uma ideológica prática assimilação/subordinação onde a mistura e o sincretismo nos fizeram e nos tornaram um enigma assimétrico. 

   Amamos os nossos senhores e os nossos senhores nos amam, e isso é tudo para aceitarmos porque a baianidade nagô é mais que uma plástica do destino e da convivência plural, ela é uma ideologia de poder e mando de poucos ricos contra os muitos pobres da cidade. 

   O poder da cidade não é exercido por sua maioria negra e mestiça. O prefeito biônico e temporário da década de 70 não contempla uma aspiração histórica da Cidade da Bahia. 

   Uma candidatura negra não se resolve apenas como uma simbologia epidérmica, mas sobretudo, como uma resposta histórica a uma Bahia de luta e resistência. Uma urgência estratégica como única e possível solução para compreender e lidar com a afirmação legitima da cara negra da cidade. 
 Uma resposta concreta e material para uma refundação da Cidade do Salvador da Bahia de Todos os Santos em sua dinâmica pluralidade e necessária equidade. Para governar a cidade precisamos de uma candidatura negra que governe para sua diversidade e maioria e institua mecanismos reais da divisão da riqueza, do território e da igualdade. 

   A cidade não é uma empresa privada. Governar a cidade não é governar a família. Cuidar da cidade é cuidar de sua gente. A cidade é o lugar do consumo da cidadania. As forças políticas progressistas e libertárias da cidade precisa construir e unificar um projeto para uma nova cidade. Refunda-la, replanejá-la, redistribuí-la, reordená-la, e sobretudo, ressimbolizá-la. 

   Uma candidatura negra pode não ser a solução para o enigma baiano, mas certamente uma candidatura negra nos trará de volta o ramo de oliveira na ponta do bico da pomba branca que ornamenta a nossa bandeira e nos proporcionará um debate urgente sobre o nosso destino e sentido. "Assim ela voltou à arca”.