PAPAI NOEL baiano e a compra dos ferries-boats

Fernando Conceição
12/11/2014 às 18:24
O GOVERNO JACQUES Wagner (PT), em transação coordenada pelo vice-governador Otto Alencar (PSD), recém-eleito senador da Bahia, não viu qualquer problema em entregar € 18 milhões (R$ 56 milhões, aproximadamente) a uma empresa  cuja sede é um salão de cabeleireiro para senhoras nos arredores de Lisboa.

   A Happyfrontier teve um pífio desempenho contábil no último ano de prestação de contas disponível. Seu lucro líquido no exercício de 2012 não daria para comprar um bilhete ida e volta de avião Lisboa-Salvador, na classe econômica: foi de exatos € 1.379,60.

   A evolução de suas vendas naquele ano foi negativa em comparação a 2011. De menos de € 1 milhão e 500 mil desabou para pouco mais de € 271 mil. Valor este equivalente a 1/3 do preço de um apartamento familiar em torre do lado da encosta do Corredor da Vitória, na capital baiana. Seu capital próprio não chegava a € 60 mil. Não possuía bens patrimoniais.

   A Happyfrontier venceu, em novembro de 2013, a concorrência internacional para fornecer dois navios e um pacote de serviços ao Estado da Bahia para o sistema ferryboat de travessia marítima Salvador-Itaparica. Pela legislação de Portugal, a empresa desde maio de 2014 está com a prestação de contas de 2013 atrasada junto às autoridades do país, o que a obrigará a pagar multas.

VARIAÇÃO NEGATIVA

Com apenas dois funcionários declarados – João Carlos Palmeirão de Melo, casado com a filha da proprietária do salão de cabeleireiro para mulheres cujo endereço é também o da Happyfrontier, e seu sócio Hélder José Veras Nunes Barata -, o fluxo de caixa da empresa em 2012 foi igual a $ 0,0.

Eles registraram a empresa com capital de € 15 mil em 2008, 50% de cada. A prestação de contas mostra que em 2010 venderam o equivalente a pouco mais de € 343 mil, com lucro líquido de € 12.282,86. O melhor desempenho da empresa disponível para análise foi em 2011, quando os lucros atingiram quase € 39 mil.

A variação negativa da empresa em vendas e serviços foi de 82% de 2011 a 2012. Com o negócio feito com o governo da Bahia em 2013 – um valor estratosférico para uma empresa até então com demonstrações contábeis tão limitadas e para a qual não houve novos aportes de capital nem alterações estruturais – é possível que sua situação tenha se revertido para melhor.

Em abril de 2014 cada sócio original cedeu uma cota de € 2.500 ao angolano Francisco Leonardo Chivela, admitido  à sociedade sem entrar com um centavo. Na mesma data foi feita alteração nos estatutos da empresa, visando adaptações em suas finalidades.

Os dois sócios portugueses, pelo que a reportagem pode apurar, residem em apartamentos de condomínios residenciais modestos, em municípios da periferia de Lisboa. O de Hélder Barata foi dado como também residência de Chivela, que se declara casado.
João Palmeirão de Melo em 4 de outubro, véspera das eleições no primeiro turno, recebeu a visita “de agradecimento” de Jacques Wagner em hotel onde esteve hospedado na Bahia. Ele tem dois filhos e sua mulher está desempregada.

Segundo a sogra do empresário, dona do apartamento onde há 30 anos funciona o salão de cabeleireiros, a filha passa por dificuldades, motivadas pela crise econômica europeia.

Procurada há um mês por este repórter para comentar a matéria que revela o local dado como sede da empresa, a Secretaria de Comunicação do governador simplesmente ignorou o contribuinte baiano.
Já a assessoria de comunicação da Secretaria de Infraestrutura (Seinfra), até maio dirigida por Otto Alencar, enviou um release sem comentar o foco das reportagens aqui publicadas. O documento alardeia os possíveis benefícios com a entrada no sistema dos dois navios – nominados Dorival Caymmi e – toc, toc, toc! – Zumbi dos Palmares.

O site Bocão News informou que em entrevista o vice-governador declarou que este repórter “está muito desinformado”.