O fim do camarote de Aliança e a importância da cantora no Carnaval

Tasso Franco
01/09/2013 às 11:20
1. Anuncia-se o fim do camarote boca livre de Daniela Mercury no Circuito Dodô (Barra/Ondina) depois de 18 anos numa parceria com Licia Fábio e empresas privadas. É uma perda e tanto para o Carnaval de Salvador, pois, neste local, aconteceram encontros  memoráveis de artistas e essa foi a matriz inicial da nova camarotização do Momo no modelo mercantilista que se expandiu neste circuito, sepultou a camarotização do Circuito Osmar (Campo Grande/Sé) e promoveu mudanças substanciais no evento. 

   2. Há quem condene Daniela por ser a pioneira e ter um discurso afro-ecológico distanciado desse modelo mercantil, mas, nós entendemos que essa artista deu (e ainda dará) uma grande contribuição ao Carnaval de Salvador e merece todo o respeito e atenção. A artista chegou a enfrentar uma ação judicial promovida pela Bahiatursa porque se apresentou como "nega-maluca" num dos seus momentos criativos, o patrulhamento afro-baiano considerou isso uma ofensa, como se a "nega-maluca" não fosse uma personalidade do folclore nacional.

   3. . É provável que Daniela tenha sido atropelada pelo próprio modelo que criou e cultivou durante anos diante das novas exigências das estruturas empresariais onde já existem camarotes com nomes de empresas de cervejaria descaracterizando o momento festivo e cultural do Carnaval. A artista queixa-se da falta de incentivos oficiais, o que de certa forma tem razão, pois, se se gasta bilhões para fazer uma Copa do Mundo e trazer pingados turistas, como aconteceu na Copa das Confederações, o Carnaval é e espera-se que continue assim, a única manifestação da cultura baiana que traz a cidade milhares de turistas e tem visibilidade internacional. 

   4. Ademais, os eventos mais importantes da cidade giram na fase verão-pré-Carnaval, ainda nos dias atuais, embora o novo prefeito ACM Neto tenha prometido (o que ainda não aconteceu) um calendário anual de eventos para a cidade. Por enquanto, tudo ainda gira em torno do Carnaval, mais precisamente a partir do próximo mês de outubro até fevereiro do ano próximo. 

   5.  Carnaval é tão importante que, até na política, marca-se candidaturas a prefeito e a governador até o Carnaval ou logo após o Carnaval.

   6. A camarotização do Carnaval da capital é bem antiga e data dos primórdios da festa quando ainda havia corso e as pranchas desfilaram na Avenida Sete e Rua Chile, sendo o camarote mais cobiçado o do antigo Hotel Pálace da Chile. Havia, ainda, os camarotes de familias improvisados em marquises de lojas da avenida Sete e a própria rua, o rés-do-chão servia de uma espécie de camarote onde as familias demarcavam locais e levavam suas cadeiras e bancos para apreciar a festa. 

   7. Também são antigos os camarotes oficiais e de empresas no Campo Grande, mesmo antes deste circuito se chamar Osmar. O novo modelo criado por Daniela, na Barra, trazia a inovação de ser patrocinado por empresas para convidados da cantora com mordomia total, uma boca-livre da melhor qualidade com comidas e bebidas à mancheia.

   8. A partir desse novo modelo os camarotes se expandiram nos dois circuitos, Ivete Sangalo chegou a ter um deles no antigo clube Casa da Itália, e ganhou corpo na Barra com uma expansão enorme captaneados por artistas, empresários, promoteres, bandas e assim por diante. Agora, anuncia-se um mega-projeto no antigo Axézeiro, captaneado por Gil/Flora e uma empresa paulista de duas torres de flats e uma estrutura camarotizada e para eventos no mezanino.

   9. A camarotização Carnaval é muito criticada pelos puristas como se esse evento não pudesse evoluir e ainda tocasse marchinchas com bandas e batucadas. Goste-se ou não dele, os afros também têm os seus, o Ilê inicialmente na Liberdade e depois na Castro Alves, essa é a nova tendência do Carnaval de Salvador e alguns camarotes que adotaram longues e boates, já promoveu bailes carnavalescos em seus espaços. 

   10. De toda sorte, há três circuitos no Carnaval de Salvador e espaços para todo tipo de folia e folião, desde o modelo marcha-rancho do Pelourinho ao pauleira do trio elétrico do povão, samba, reggae, blocos de índios, travestidos, afoxés e assim por diante. 

   11. Lembrando, por fim, que o Carnaval de Salvador deve muito a Daniela com suas inovações nos trios, no camarote, nas músicas, na dança, uma artista completa. E torça-se que ela se mantenha no Carnaval da cidade apesar de não pilotar mais seu camarote.